Neurônios da sede antecipam comportamentos homeostáticos

Neurônios dos órgãos circunventriculares (CVOs) são responsáveis por promover respostas fisiológicas que regulam a osmolaridade e o volume sanguíneo. A ativação destes neurônios induz a sensação de sede e consequentemente motiva o consumo de líquidos a fim de se restaurar o equilíbrio no fluido sanguíneo. Os neurônios dos CVOs estão implicados nestas funções, uma vez que são circundados por uma extensa vasculatura e estão presentes em zonas de modificação de barreira hematoencefálica.

Até recentemente, estes neurônios eram considerados apenas como sensores passivos da composição sanguínea, ideia que era reforçada com estudos de ressonância magnética funcional que não mostravam a rápida modulação destas estruturas durante o ato de beber. Observações empíricas sugerem que este ato é um comportamento antecipatório na natureza em relação a alterações na composição sanguínea.

Um novo estudo (Zimmerman Nature 2016) demonstrou a importância de uma população específica de neurônios localizada no órgão subfornical (SFO) na regulação do mecanismo antecipatório da sensação de sede. Os autores mostraram que quando ativavam por optogenética os neurônios do SFO que expressam NOS1 (sintetase 1 do óxido nítrico)-SFOnos1, os animais consomem muita água, mesmo que estejam em homeostase hídrica. Os fatores conhecidos que ativam os neurônios de sede SFOnos1 são osmolaridade sanguínea e a tonicidade dos vasos.

No estado fisiológico, estes neurônios possuem atividade alterada antes de ocorrerem alterações nos fatores classicamente atribuídos à sede (osmolaridade e volume plasmático). Os experimentos de privação hídrica mostraram que os neurônios do SFO respondem a sinais da cavidade oral durante o comportamento de comer e beber. Estes sinais são então preditores da composição do sangue, interferindo diretamente na inibição destes neurônios, caracterizando um comportamento antecipatório para o reestabelecimento da homeostase hídrica.

Os autores demonstraram ainda que, para ocorrer a inibição dos neurônios SFOnos1, é necessário consumir água e não apenas a expectativa de consumo, diferente do que acontece com a sensação de fome, em que os neurônios AgRP (proteína relacionada ao Agouti) podem ser inibidos apenas pela detecção sensorial do alimento. Foi observado que a temperatura da bebida não influenciou a quantidade consumida, no entanto quanto mais baixa a temperatura da água mais rapidamente os neurônios SFOnos1 são inibidos.

Os mecanismos neurais que regulam a sensação de sede envolvem a modulação antecipatória a alterações na homeostase plasmática e tonicidade dos vasos. Estes mecanismos são mediados por neurônios específicos na região SFO, não ocorrendo de modo passivo. Estas observações explicam o hábito de se beber durante as refeições e a rápida saciedade à sede após a ingestão de líquidos, mesmo antes de estes chegarem à corrente sanguínea.

* Bourque, C. W. Central mechanisms of osmosensation and systemic osmoregulation. Nat. Rev. Neurosci. 2008. 9, 519-531. doi: 10.1038/nrn2400.

* Chen Y., Lin Y.C., Kuo T.W., Knight Z.A. Sensory detection of food rapidly modulates arcuate feeding circuits. Cell 2015 Feb 26;160 (5):829-41. doi: 10.1016/j.cell.2015.01.033.

* Zimmerman C.A., Lin Y.C., Leib D. E., Guo L., Huey E. L., Daly G. E., Chen Y., Knight Z. A. Thirst neurons anticipate the homeostatic consequences of eating and drinking. Nature 2016. doi:10.1038/nature18950.

Joana M. Gaspar
Doutorada em Biologia Celular e Molecular (Universidade de Coimbra - Portugal) e Pós doutoranda na Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Vinculada ao Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades, atua na área de diabetes, obesidade e comorbidades.
Felipe Corrêa-da-Silva
Graduando em Ciências Biológicas pela UNICAMP. Aluno de Iniciação Científica, vinculado ao Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades, atua na temática da neurogênese hipotalâmica.