Neurônios TH hipotalâmicos e o seu papel orexigênico: um novo alvo terapêutico

Durante muitos anos, atribuiu-se aos neurônios hipotalâmicos NPY/AgRP e POMC o controle homeostático da fome e do gasto energético, em resposta aos sinais neurais, hormonais e de nutrientes provenientes da periferia [1]. No entanto, nos últimos anos, vários trabalhos na literatura demonstraram que essa regulação é bem mais complexa e depende também de inúmeras interconexões do hipotálamo com outras áreas cerebrais, como aquelas relacionadas com o sistema dopaminérgico de recompensa: amígdala, área tegmental ventral, striatum, núcleo accumbens, substância negra e hipocampo [2].

Um trabalho publicado recentemente na revista Nature Neuroscience [3] por pesquisadores da Universidade de Yale mostrou que uma terceira população de neurônios hipotalâmicos no núcleo arqueado, conhecidos como neurônios TH (tirosina hidroxilase) ou TH neurons, em inglês, também apresentam papel orexigênico, assim como NPY/AgRP, aumentando a ingestão alimentar em resposta a sinais periféricos e centrais. O envolvimento desses neurônios no controle da ingestão alimentar já foi demonstrado em algumas áreas cerebrais do sistema de recompensa, como na área tegmental ventral e na substância negra, e ocorre, em parte, por uma modulação dopaminérgica, desencadeada por esses neurônios TH, em resposta às propriedades hedônicas dos alimentos [4].

Através de marcação por imunohistoquímica, os autores verificaram que não há co-localização entre os neurônios TH e POMC ou TH e NPY/AgRP no núcleo arqueado do hipotálamo, comprovando que eles constituem uma população neuronal distinta. A fotoestimulação optogenética desses neurônios no núcleo arqueado promove aumento da ingestão alimentar, enquanto o seu silenciamento por adenovírus associado Cre-dependente leva à redução de peso corporal.

Para compreender melhor o papel orexigênico dos recém identificados neurônios TH, os autores utilizaram outro adenovírus associado recombinante, injetado na região dorsomedial do núcleo arqueado (a qual apresenta a maior concentração de dopamina em neurônios TH), e observaram uma grande densidade de axônios desses neurônios na eminência mediana e em outras células vizinhas ao núcleo arqueado, bem como hiperpolarização e inibição de neurônios POMC após fotoestimulação ou injeção de dopamina. Ainda nesse contexto, tanto a fotoestimulação dos neurônios TH no núcleo arqueado quanto a dopamina hiperpolarizam também neurônios no núcleo paraventricular, o qual apresenta importante papel sobre a homeostase energética.

As projeções inibitórias para o núcleo paraventricular levam à liberação de GABA e dopamina pelos neurônios TH em resposta à fotoestimulação no núcleo arqueado. Além disso, a fotoestimulação dos neurônios TH resultou também numa conexão inibitória entre estes e os neurônios POMC do arqueado. Em contraste, a dopamina, nesse mesmo contexto, leva à hiperativação e excitação de neurônios AgRP no núcleo arqueado, através de um receptor dopaminérgico nessa célula. Esses achados explicam, em parte, o papel orexigênico dos neurônios TH hipotalâmicos.

Para verificar se a atividade desses neurônios poderia ser modulada por jejum/alimentação, os autores avaliaram a expressão da proteína c-fos no núcleo arqueado de camundongos mantidos em jejum por 24 horas ou no período pós-alimentar. Observou-se que os neurônios TH estão mais ativos durante o jejum. Tal conclusão foi ainda confirmada com a demonstração do aumento da despolarização de neurônios TH do núcleo arqueado em camundongos mantidos em jejum. Por fim, foi demonstrado que a grelina também ativa os neurônios TH hipotalâmicos.

Juntos, esses achados sugerem que neurônios TH do núcleo arqueado podem agir de forma independente e/ou combinada com outros neurônios hipotalâmicos, regulando a homeostase energética e aumentando a ingestão alimentar. Este estudo identifica uma nova subpopulação de neurônios do núcleo arqueado que pode ter papel relevante como alvo terapêutico na obesidade. Espera-se que no futuro breve estudos explorem a resposta destes neurônios a componentes da dieta e fármacos.

[1] Schwartz MW. Central nervous system regulation of food intake. Obesity (Silver Spring). 14(S1):1S-8S. 2006.

[2] Morton, GJ; Meek, TH; Schwartz, MW. Neurobiology of food intake in health and disease. Nat Rev Neurosci. 15(6):367-78. 2014.

[3] Zhang, X; van den Pol, AN. Hypothalamic arcuate nucleus tyrosine hydroxylase neurons play orexigenic role in energy homeostasis. Nat Neurosci., 2016.

[4] Palminter, RD. Is dopamine a physiologically relevant mediator of feeding behavior? Trends Neurosci. 30(8):375-81. 2007.

Natália Ferreira Mendes
Natália Ferreira Mendes - Nutricionista (UNIFESP), Mestrado em Ciências da Nutrição e do Esporte e Metabolismo (UNICAMP), Doutoranda em Ciências da Saúde pela Faculdade de Enfermagem da UNICAMP. Vinculada ao Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades, estuda o papel dos neurônios hipotalâmicos sobre o controle da homeostase glicêmica na obesidade e no DM tipo 2.