Grupo do Professor Marco Vinolo publica artigo sobre as complexas interações das fibras alimentares no intestino na importante revista Microbiome
Em estudo recentemente publicado na revista científica Microbiome (um dos periódicos mais importantes da área), o grupo de pesquisa liderado pelo Prof. Marco Vinolo, do Instituto de Biologia da UNICAMP e pesquisador associado ao OCRC, demonstrou que a ingestão de fibras solúveis impacta a arquitetura do epitélio intestinal de camundongos, efeito esse que se dá por uma complexa interação envolvendo o sistema imunológico, a microbiota intestinal e o epitélio intestinal.
O consumo de fibras solúveis, em especial a inulina utilizada na maior parte dos experimentos deste trabalho, está associado a diversos efeitos benéficos na saúde humana, incluindo proteção ao desenvolvimento de obesidade e síndrome metabólica. No entanto, apesar do conhecimento obtido nos últimos anos a respeito da ação das fibras alimentares no trato gastrointestinal, pouco se sabe sobre seus efeitos nas células-tronco intestinais, um tipo celular de extrema importância para organização e manutenção do funcionamento adequado do epitélio intestinal.
Neste trabalho, pesquisadores de diferentes instituições brasileiras (UNICAMP, USP e UFMG) e estrangeiras (Massachusetts Institute of Technology, Washington University, University of Essex e University of Michigan) uniram esforços para caracterizar o efeito da ingestão de fibras sobre as células-tronco intestinais e desvendar os mecanismos envolvidos nas suas ações. O trabalho foi desenvolvido durante o doutorado do aluno Renan Oliveira Corrêa, primeiro autor do estudo, e apresentou como um dos principais achados que a ingestão de fibras solúveis aumenta a atividade proliferativa das células-tronco intestinais no intestino grosso (cólon), e com isso, desencadeia um remodelamento na arquitetura do epitélio intestinal com aumento na profundidade das criptas (local onde se encontram as células-tronco), aumento no número de células caliciformes produtoras de muco presentes nas criptas, bem como aumento no tamanho do intestino como um todo. De maneira interessante, estes efeitos epiteliais não foram observados no intestino delgado, apenas no cólon, lugar onde as fibras solúveis são sabidamente fermentadas por ação da microbiota intestinal.
Este foi, provavelmente, o primeiro trabalho realizado no Brasil a empregar a técnica de sequenciamento de células únicas, uma ferramenta avançada que permite estudar as informações genéticas de cada célula de forma detalhada. Com ela, é possível investigar quais genes estão ativos em cada grupo de células, o que ajuda a compreender como tais genes e células contribuem para características mais gerais. Trata-se de uma técnica ideal para responder perguntas sobre mecanismos moleculares envolvendo tecidos heterogêneos, diferenciação celular, doenças complexas e respostas a terapias. Através do uso dessa técnica, os pesquisadores observaram que as alterações decorrentes da ingestão da inulina são mais profundas e abrangentes do que previsto e incluem não apenas a alteração de genes associados a proliferação celular em células-tronco, mas também importantes mudanças na expressão gênica de células progenitoras e em células maduras que compõem o epitélio, incluindo as células caliciformes, as quais apresentaram aumento significativo de genes associados à produção de muco. Em conjunto, esses dados indicam que a ingestão de inulina altera o perfil de diferentes células presentes no epitélio intestinal do cólon e induz um remodelamento da sua arquitetura e composição epitelial, demonstrando que os componentes da nossa alimentação não são apenas fontes de elementos para fornecimento de energia ou síntese de outras moléculas no nosso organismo, mas também moldam aspectos macro- e microscópicos dos nossos tecidos. Vale ressaltar que os efeitos das fibras foram observados poucos dias após o início da ingestão da fibra solúvel (14 dias) indicando que o sistema intestinal se adapta rapidamente às alterações do nosso padrão de alimentação. Ainda, tal efeito foi observado tanto em machos como em fêmeas, demonstrando que independe do sexo.
Outro aspecto que chama atenção neste trabalho é o fato de que os efeitos da inulina sobre o epitélio ocorrem de modo indireto e envolvem diferentes componentes da microbiota intestinal e do sistema imunológico. Por exemplo, não apenas a inulina deixou de induzir os efeitos descritos em animais que não possuem microbiota (animais livres de germes – germ-free – ou tratados com antibióticos), mas também tais efeitos foram mimetizados pela transferência fecal contendo microrganismos que fazem parte da microbiota intestinal de animais previamente expostos à fibra ou seja, a ação das fibras no epitélio intestinal depende em grande parte de alterações que as mesmas ocasionam na composição e função dessa comunidade microbiana ali presente, aspecto esse que será investigado mais a fundo pelo grupo em trabalhos futuros. Além disso, o efeito também foi dependente da presença de proteína do sistema imunológico chamada interleucina-22 (IL-22), bem como de uma classe específica de linfócitos, os linfócitos T que expressam o TCR γδ (gama-delta), os quais se encontram preferencialmente entre ou nas proximidades das células epiteliais, o que os torna excelentes mecanismos de adaptação do epitélio frente a diversas alterações no lúmen do intestino.
Com isso, esse trabalho revela mecanismos pela qual a alimentação, pela ingestão de fibras solúveis, altera a anatomia do trato gastrointestinal, remodelando de maneira rápida e intensa a arquitetura epitelial do intestino grosso por ação conjunta de membros da microbiota comensal e do sistema imune local. Estudos nessa linha de pesquisa produzem importantes achados que podem ser futuramente utilizados para o desenvolvimento de técnicas menos invasivas que visam a manipulação de diferentes componentes do ambiente intestinal, garantindo não apenas a manutenção de um funcionamento normal em pessoas saudáveis, como também alívio e tratamento de sintomas, de maneira mais personalizada, de pacientes que sofrem de distúrbios gastrointestinais.
Figura ilustrativa dos efeitos e mecanismos pelos quais a ingestão de inulina remodela o intestino (Figura feita no Bioreder).
Este trabalho foi apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), National Institutes of Health (NIH), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior—Brasil (CAPES) e a Royal Society.
Confira e compartilhe o artigo “Inulin diet uncovers complex diet-microbiota-immune cell interactions remodeling the gut epithelium”: https://microbiomejournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s40168-023-01520-2