Subnutrição e COVID-19
O mundo enfrenta atualmente a pandemia do novo coronavírus (COVID-19) e, até o início de fevereiro de 2021, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 105.658.476 pessoas já haviam sido infectadas. O quadro clínico de pacientes com COVID-19 é variável, podendo apresentar desde formas assintomáticas e sintomas leves até condições mais graves que necessitam de atendimento em unidades de terapia intensiva (UTI). Já foi descrito que alterações no estado nutricional, relacionadas ao consumo excessivo de nutrientes, são relevantes para o desfecho clínico desta doença na fase aguda. A inflamação sistêmica, o comprometimento do sistema imunológico, sarcopenia, doenças respiratórias, doenças cardiovasculares e metabólicas relacionadas à obesidade, podem atuar como fatores cruciais para a relação entre o estado nutricional do paciente e o curso da COVID-19. Porém, mais recentemente, cientistas observaram que o baixo consumo de nutrientes, podendo caracterizar quadros de subnutrição, pode também ser um fator agravante no curso do desenvolvimento da infecção por SARS-Cov2 (o vírus causador da COVID-19).
De acordo com a OMS, a desnutrição inclui o excesso ou a deficiência no consumo de nutrientes, abrangendo, desse modo, o sobrepeso, a obesidade, a deficiência de micronutrientes e a subnutrição. A deficiência de micronutrientes é relativa à ingestão inadequada de vitaminas e minerais, enquanto a subnutrição refere-se a baixa razão entre peso e estatura em indivíduos adultos, envolvida predominantemente com a ingesta reduzida do macronutrientes (aminoácidos, carboidratos e lipídeos) geralmente em decorrência da ingestão insuficiente dos alimentos. Em indivíduos maiores que 18 anos, o índice de Massa Corporal (IMC) pode ser um dos parâmetros utilizados para avaliação e diagnóstico da subnutrição pois permite avaliar a razão entre o peso corporal e a estatura. De acordo com o IMC, adultos com valores menores que 18,5 kg/m2 apresentam baixo peso corporal, valores entre 17 e 18,49 kg/m2 indicam magreza leve, valores entre 16 e 16,99 kg/m2 indicam magreza moderada, enquanto valores menores que 16 kg/m2 indicam magreza severa.
A subnutrição é um grave problema de saúde pública e estima-se que, no mundo, em 2020, cerca de 462 milhões de indivíduos estavam subnutridos. A prevalência de subnutrição é mais frequente em países subdesenvolvidos ou emergentes, uma vez que a pobreza aumenta o risco de desnutrição em todas as suas formas. Ainda, segundo a OMS, indivíduos jovens, em especial crianças e adolescentes, são os que mais apresentam risco de subnutrição. Esses dados são alarmantes, pois a crise financeira e social desencadeada com a pandemia do novo coronavírus pode aumentar a vulnerabilidade social dos indivíduos, estabelecendo quadros de insegurança alimentar e nutricional, podendo elevar os números da subnutrição no mundo.
Além disso, a subnutrição é conhecida como um fator de risco para pneumonias virais, aumentando a gravidade e a mortalidade relacionadas a tais doenças desde a pandemia de influenza de 1918. Da mesma forma, a pneumonia relacionada à infecção por SARS-Cov2 pode estar intimamente associada à desnutrição. De fato, uma série de características observadas em pacientes com COVID-19 podem levar à perda de peso corporal e subnutrição, como: náuseas, vômitos, diarreia, hipermetabolismo e aumento da necessidade de energia, bem como, a permanência hospitalar prolongada em unidades convencionais ou de terapia intensiva. No entanto, o conhecimento nutricional em pacientes infectados pelo SARS-Cov2 ainda é limitado.
Nesse contexto, pesquisadores franceses do Hospital Pitié-Salpêtrière e da Universidade Sorbonne realizaram recentemente um estudo observacional com pacientes hospitalizados por COVID-19 e os resultados do trabalho foram publicados em um periódico internacional renomado (Clinical Nutrition ESPEN). Os pesquisadores investigaram a prevalência e a gravidade da subnutrição em pacientes hospitalizados com COVID-19. Avaliaram 114 pacientes internados naquele hospital entre 21 de março a 24 de abril de 2020, sendo 60,5% homens, com idade entre 45 a 75 anos. Os resultados indicaram uma prevalência geral de subnutrição nos pacientes com COVID-19 de 42,1%, sendo que, 23,7% dos casos eram considerados moderados e 18,4% casos graves. Já para os pacientes internados em UTI esse número aumentou para 66,7%. Além disso, níveis mais baixos de albumina no sangue, comum em indivíduos subnutridos, foram associados a maior risco de transferência dos mesmos para a UTI.
Pesquisadores membros do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) da UNICAMP também estão desenvolvendo projetos de pesquisa dentro da mesma temática. Uma das pesquisas em fase inicial tem investigará a relação entre danos cardiovasculares, subnutrição proteica e COVID-19. A pesquisa coordenada pelos docentes do Instituto de Biologia da UNICAMP, Ana Paula Davel e Everardo Magalhães Carneiro, membros do OCRC, buscará avaliar o impacto das micropartículas (MP) circulantes de pacientes com COVID-19 na função vascular de camundongos saudáveis e subnutridos. As MP são vesículas liberadas por diversos tipos de células durante processos de estresse oxidativo, ativação celular ou apoptose. As MP podem carrear proteínas, receptores, RNA, dentre outros componentes da célula de origem e promover diversas ações através da interação com outros tipos celulares. Estudos demonstram um aumento no número dessas MP circulantes em situações patológicas associadas a danos cardiovasculares. Assim, a hipótese do estudo é que pacientes que desenvolvem a forma grave da COVID-19, normalmente associada a complicações cardiovasculares, apresentam aumento das MP circulantes, que podem ser mediadores da disfunção vascular. Uma vez que a subnutrição aumenta o risco de complicações vasculares, espera-se que as MP circulantes sejam ainda mais prejudiciais nessa condição.
Portanto, o empenho dos cientistas em investigar a relação entre subnutrição e as consequências para a COVID-19 em indivíduos infectados pelo SARS-Cov2, traz à tona a discussões sobre a importância da triagem de risco nutricional e a necessidade de manejo nutricional precoce em pacientes com COVID-19. Ainda, reforça a necessidade da realização de mais estudos para avaliar o impacto da terapia nutricional no prognóstico de longo prazo desses pacientes.
Informativo
Sobre os autores:
Kênia Moreno de Oliveira – Bolsista Fapesp – Doutorado
Atualmente é aluna de doutorado no programa de pós-graduação em Biologia Funcional e Molecular (UNICAMP/Campinas). Sua linha de pesquisa investiga as alterações na microbiota e na morfofunção intestinal e pancreática endócrina durante a restrição proteica.
Gabriela Moreira Soares – Boslsista Fapesp – Pós-Doc
Atualmente é pós-doutorada no OCRC. Sua pesquisa busca investigar os mecanismos moleculares e funcionais envolvidos no controle dos efeitos benéficos da cirurgia bariátrica restritiva do tipo Gastrectomia Vertical, sobre a homeostase glicêmica, com enfoque na inter-relação intestino-pâncreas, via FGF15/19.
Renato Chaves Souto Branco – Bolsista Fapesp – Pós-Doc
Biólogo e Doutor em Biologia Funcional e Molecular pela Universidade Estadual de Campinas (2016). Atualmente é Pós-doutorando do OCRC do Instituto de Biologia da UNICAMP, estudando o papel de enzimas metabólicas no processo de instalação de resistência a ação da insulina em modelos de obesidade e diabetes.
Geiza Rafaela Bobato – Mestranda
Atualmente é aluno de mestrado no Laboratório de Biologia Vascular (LaBiVasc) e no OCRC, ambos no Instituto de Biologia (IB) da UNICAMP. Sua pesquisa avalia o impacto das micropartículas circulantes de pacientes com Covid-19 na função vascular de camundongos controle e com desnutrição proteica.
Daniele Mendes Guizoni – Bolsista Fapesp – Pós-Doc
Atualmente é pós-doutoranda no Laboratório de Biologia Vascular (LaBiVasc) e no OCRC, ambos no Instituto de Biologia (IB) da UNICAMP. Sua pesquisa avalia as alterações vasculares no pâncreas endócrino após restrição alimentar de proteínas nas fases iniciais do desenvolvimento.
Supervisores
Everardo Magalhães Carneiro
Professor Titular do Departamento de Biologia Estrutural e Funcional, Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Pesquisador principal do OCRC/CEPID.
Ana Paula Couto Davel
Professora doutora do departamento de Biologia Estrutural e Funcional do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Membro Associada OCRC/CEPID